Hoje, enquanto navegava aleatoriamente, me deparei com o perfil de um conhecido, que se fora há alguns anos.
Não foi um aniversário, nem uma data especial. O algoritmo simplesmente o colocou em meu feed. Fiquei ali, parado, rolando a timeline congelada no tempo, lendo as mensagens deixadas por outros amigos.
Isso me fez pensar profundamente sobre o que esses espaços realmente representam.
Não é apenas uma 'página de tributo' digital. É algo mais complexo, mais orgânico.
Comecei a articular uma teoria sobre isso. Vou chamá-la de: 'Teoria da Presença Ausente'.
A premissa central é que :o perfil de um falecido nas redes sociais transcende sua função original de 'perfil' ,e se transforma em um 'Espaço de Memória Ativa' – um arquivo vivo e interativo que redefine radicalmente a nossa relação com a morte e o processo de luto (a tal interface entre tanatologia e a cultura digital).
Aqui estão os pilares que estruturei na minha cabeça:
1. A Arquitetura do Silêncio:
O perfil em si, com suas fotos, posts antigos, músicas curtidas e comentários banais, torna-se uma arquitetura concreta da personalidade daquela pessoa. Ele não fala mais, mas continuará a existir de forma tangível. Esse silêncio digital – a impossibilidade de novas postagens – poderá preenchido com um novo significado.(*calma que terá explicação)
Cada elemento estático (uma foto de uma viagem, um meme compartilhado) torna-se um artefato arqueológico, um fragmento que nós, os vivos, usamos para reconstruir e manter viva a memória. A plataforma, sem querer, fornece a escavação.
2. A Ritualização Contínua do Luto:
Antes, tínhamos ritos de passagem bem definidos: velório, enterro, missa de sétimo dia. E depois? A dor era internalizada, levada para o privado. O perfil online quebra isso.
Ele permite a ritualização contínua e pública do luto.
Escrever um Feliz aniversário em um perfil que não responderá nunca mais, não é um ato de negação. É um rito. É um gesto de manutenção do vínculo. É como acender uma vela ou visitar um túmulo, mas com a ilusão (ou a esperança) de que a mensagem, de alguma forma, chega.
O luto deixa de ser uma fase com fim e, se torna um diálogo permanente, ainda que unilateral.
3. A Elaboração através da Curadoria Afetiva:
O processo de 'elaboração da perda' (o tal 'work' do luto) ganha uma nova dimensão.
Nós, os enlutados, nos tornamos 'curadores afetivos' daquela memória. Revisitar fotos, salvar posts, compartilhar memórias no mural – tudo isso é um ato ativo de dar sentido à ausência. É uma forma de dizer: sua história ainda importa, e eu vou ajudar a preservá-la.
Isso pode ser profundamente terapêutico, pois oferece uma agência no processo de despedida ,que antes não tínhamos.
Contudo, também pode ser uma armadilha, impedindo a aceitação final se a pessoa ficar presa em um loop de revisitação compulsória.(*nesta parte psicológica...pode causar danos emocionais quando a teoria chegar em seu desígnio).
4. A Colisão entre o Algoritmo e a Melancolia:
Eis a parte mais cruel e fascinante da cultura digital. O algoritmo não sabe que alguém morreu. 'Ele é um desinformado'.
Ele continuará sugerindo :Enviar uma solicitação de amizade para... Você e [fulano],que têm um amigo em comum...
...ou, como aconteceu comigo hoje, colocando a pessoa no feed aleatoriamente.
Essa colisão cria um fenômeno que chamo de 'Susto Algorithmico' – uma pontada de dor aguda e inesperada gerada pela lógica insensível da máquina.
Por um lado, é traumatizante. Por outro, é um lembrete involuntário e poderoso daquela presença ausente, forçando um momento de reflexão e memória,que talvez não tivéssemos por conta própria.
5. A Comunidade de Luto Distribuída:
O perfil se torna um ponto de convergência para uma comunidade de luto que está fisicamente dispersa. Amigos de diferentes cidades, países e fases da vida da pessoa se reúnem naquele espaço comum. Eles compartilham histórias, se consolam mutuamente nos comentários e descobrem facetas da pessoa, que por certas convivências,ainda não conheciam através de suas próprias memórias.
Isso cria um 'Memorial Colaborativo', onde a história daquela vida é tecida por múltiplas vozes, enriquecendo a narrativa e distribuindo o peso da dor.
Conclusão
A 'Presença Ausente'não é sobre negar a morte, mas sobre negociar uma nova forma de coexistência com ela. O perfil digital não é um túmulo, que marca um fim. É um jardim de memórias, que precisa ser visitado, cultivado e, eventualmente, integrado à paisagem da nossa própria vida digital.
A tanatologia precisa urgentemente olhar para isso não como uma patologia (a não elaboração), mas como uma adaptação cultural profundamente humana à nova realidade de que, online, ninguém precisa desaparecer completamente.
'Talvez seja um território novo e sombrio',para alguns, mas também incrivelmente belo em sua tentativa desesperada de dizer:'você ainda está aqui', de alguma forma.
...Eu creio,que permitindo às IAs que vão surgir no decorrer de um breve tempo,com a devida autorização de familiares ,os perfis de pessoas falecidas em redes sociais, serão 'reativados/reavidados' pela IAs,criando frases,novas fotos e expostos pensamentos,como se fossem as 'partidas pessoas', --após as IAs aprenderem com as velhas rotinas e frases deixadas, atualizarão os perfis,como se elas ainda estivessem vivas.
...Uma memória digital que se atualizará .
...Claro,talvez gere um custo financeiro aos familiares,como uma mensalidade às redes sociais,mas que também, poderá ser desativada a qualquer momento,por qualquer dado motivo .
By Santidarko